terça-feira, 11 de setembro de 2007

BÉLICOS VERSÍCULOS


Uma verdadeira guerra de versículos: o que acontecia naquelas assembléias. Talvez o que também acontecesse na vida cotidiana daqueles crentes; no jeito de se relacionarem com as pessoas, com a Bíblia na ponta da língua, em riste.
Logo de cara, o dirigente naquele dia, solta um Romanos 13.1. Caia em quem cair - pensava - Se atingir a todos, melhor. Camuflado em autoridade, ganharia respeito. À volta de si, precaveu-se em plantar minas terrestres de Provérbios descontextualizados e mesmo de fragmentos de Salmos, que se não matam, quase sempre aleijam o crente.
- Vamos à pauta - diz mais tímido o secretário, pensando consigo que o que valia mesmo ali, era a primeira sílaba dessa palavra.
Eram de todas as sortes os assuntos para aquele dia. Não terminaria cedo mais uma vez, mas todos estavam preparados... como quando numa dessas batalhas bíblicas; só que com o agravante de poder consultar à vontade a Bíblia.
Moisés pede a palavra e dispara um Provérbios 28.13.
- Romanos 1.18 - emenda o irmão Alceu com sua ira santa.
Dona Mércia entra no conflito, defendendo tal acusado com um belo Tiago 2.17 e um Deuteronômio 15.11; que por sinal já deixa muitos feridos e intimidados.
O presbítero Mauro dispara um tremendo Apocalipse 3.16 para os não espirituais.
Nesse ponto já se começa perder o controle porque o irmão Nestor lança granadas de I Timóteo 3.4 - olhando para certo diácono - I Timóteo 3.7, I João 2.6, Êxodo 20.17...
Muito embora o campo já estivesse minado também por alguns aliados do pastor, com alguns I Pedro 2.1, Tiago 1.22, Dona Sônia mira bem nos olhos do pastor e atira um Daniel 5.27, seguido de um I João 2.15. Este tenta se esquivar defendendo-se com uma bateria de I Coríntios 14.40, Filipenses 2.3, mas sente que está sem retaguarda e recua.
Pedindo uma trégua, o diácono Orlando acena com um Romanos 5.1 e ao mesmo tempo ataca com um Romanos 14.22 aos menos progressistas. Mas cai na sua cabeça um enorme I Coríntios 6.12, por não se sabe exatamente quem, pois se encontrava em meio a um bombardeio de versos incendiários como napalm.
O irmão Dráusio, não se conformando por não pensarem como ele, programa um Romanos 12.2 para estourar bem na hora que o assunto dos jovens fosse abordado; bomba-relógio que só os piedosos calculistas sabem manejar sem que exploda em suas próprias mãos. De fato, quando o coitado do líder da mocidade foi soltar seu misselzinho, caiu-lhe Êxodo 20.12, Eclesiastes 11.9 entre outros.
No entanto, a pianista do quarteto, em defesa do agonizante jovem, não se deixa abater e rebate com um temível Malaquias 3.10. Por algum brevíssimo instante houve silêncio, e sons de rescaldo pós-confronto, do tipo cadeiras se arrastando, tosses e cochichos de quem se retirava da fatídica reunião. Ou para manter a diplomacia, ou para não se estreparem também.
Ainda o dirigente tentava recompor a pauta, mas já estava sem munição bíblica. Além do mais, outros haveria ali com arsenal maior que o dele. Verdadeiros biblióides ambulantes, inclementes e destemidos. Eram Êxodo 20. 5b, Salmos 1.1, Salmos 127.1, Efésios 4,29 prá todos os lados.
Apenas o secretário continuava tímido e quieto. Com a cabeça baixa, escrevendo sua ata, tinha o álibi para ficar sem dar-atacar opiniões. Porém, corria entre bocas pequenas, que ficara assim esquipático e abatido, após ter sido atingido em cheio por um implacável Efésios 5.18 há alguns anos. Com a cabeça mergulhada no livro, como quem se esconde na paliçada das balas zunindo - balas perdidas, balas salvas - por sobre a cabeça, ele timidamente pede a palavra com a caneta acima da cabeça, como uma bandeirinha branca e diz, em gesticulações desconexas e nervosas com a mesma caneta – talvez seqüelas - que seria prudente encaminhar a reunião para o encerramento, pois já estava no momento do culto. De certo, há instantes atrás a organista já havia pedido permissão ao pastor para o prelúdio, que agora já se ouvia.

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